A música africana contemporânea já não se limita a mover as pessoas na pista de dança: agora marca o ritmo da moda, do cinema, do design e de outras expressões culturais em todo o mundo. Géneros como o Afrobeats, o Kuduro, o Amapiano e o Ndombolo estão a transformar não só a cena musical, mas também a imaginação visual de toda uma geração.
No caso do Kuduro, nasceu como um movimento de música e dança que, na era moderna, foi representado por ícones como Sebem, Titica, Os Lambas, Noite e diaBuraka Som Sistema ou Cabo Snoop e, atualmente, inspira disciplinas criativas da moda, do cinema e da as artes visuais juntamente com criadores multidisciplinares que mostram como esta energia sónica se expande para novas estéticas e narrativas globais, ultrapassando as fronteiras entre arte, ativismo e cultura pop.
Novas línguas estéticas de África
A expansão internacional destas músicas gerou um fenómeno estético em múltiplas frentes. A arte africana já não responde a modelos estrangeiros, mas impõe os seus próprios códigos: movimentos coreográficos que irrompem nas galerias, estilos que rompem com os cânones eurocêntricos e narrativas visuais que afirmam a territorialidade, a modernidade e a memória.
Exposições como Remix de África (2005-2007) o Beleza do Congo (Fondation Cartier, 2015), bem como a Bienal de Dakar ou Afrofuturismo: Uma História dos Futuros Negros The Smithsonian (2023), deram visibilidade a estas estéticas híbridas que articulam som, moda, performance e discurso político.
Kuduro: energia urbana e superação cultural
Nascido no centro da cidade de Luanda (Angola) entre as décadas de 1980 e 1990, o Kuduro não só mudou o panorama musical durante e após a guerra, como também se estabeleceu como uma estética empoderadora que uniu jovens criadores de múltiplas classes económicas através da criatividade dentro e fora do país africano. Esta mistura de ritmos ancestrais da costa angolana, como o semba e a kazucuta, com sonoridades electrónicas do house, do techno e, nos anos 2000, do hip hop, utilizou o espírito de celebração como resposta às consequências sociais do longo período de guerra: anti-colonial (1960-1975), regional contra os invasores do apartheid (1975-1988) e civil (1975-2002). Hoje, o Kuduro continua a ser o género cultural mais produtivo na cena criativa angolana, com inspiração local, alcance para além das fronteiras do país e múltiplos subgéneros.
O documentário Eu amo o Kuduro (2013), produzido pela Coréon Dú, oferece uma visão interna da cena, onde o género funciona como plataforma para discursos sobre identidade, corpo e território. Obras de artistas como Edson Chagas e exposições como Luanda, Cidade Enciclopédica (Bienal de Veneza 2013) y "KUDURO - A Força que Não Depende da Sorte" ( Museu Historia Natural de Luanda 2024) evidência de como o Kuduro está integrado em práticas criativas que transcendem o som.
Amapiano e Afrobeats: das pistas de dança do continente à arte de vanguarda
O Amapiano, que surgiu nos bairros de Pretória e Joanesburgo, tornou-se o núcleo sónico de uma nova sensibilidade urbana. Artistas no papel de DJ Maphorisa y Tylaincorporam esta base rítmica em projectos visuais que exploram novas formas de coreografia e representação estética. A exposição Quando nos vemos (Zeitz MOCAA, 2022) incluiu referências diretas a estas culturas como parte de uma nova narrativa africana sobre o presente.
Por sua vez, o Afrobeats alcançou uma projeção transnacional. Esta evolução do género Afrobeat desenvolvido pelo icónico artista nigeriano Fela Kuti na década de 1970, foi adotado pela indústria discográfica ocidental para descrever as diversas sonoridades africanas contemporâneas em todo o continente. Com embaixadores como Burna Boy e Ayra Starr, da Nigéria, ou a estrela congolesa Fally Ipupa, estes artistas encabeçam palcos globais enquanto colaboram com designers como Kenneth Ize ou Lisa Folawiyo. Estas alianças integram elementos tradicionais e urbanos numa abordagem visual que desconstrói os modelos dominantes da representação africana.
Do sul global aos centros da arte mundial
A música que surgiu nos novos contextos urbanos africanos, muitas vezes impulsionada pela tecnologia digital e pelas redes sociais, ocupa agora espaços de destaque artístico internacional. Festivais e bienais como os de Dakar, Berlim e Veneza, bem como eventos em todas as regiões de África - Norte, Sul, Este, Oeste e Central - têm servido como plataformas fundamentais para dar visibilidade a estas expressões. Por sua vez, a ascensão de géneros como o afrobeats, o amapiano e o alté, aliada ao crescimento do streaming (com um aumento de receitas na África Subsariana de 22,6% até 2024), tem permitido que estas músicas ultrapassem fronteiras e cheguem a palcos globais, incluindo cerimónias como os Grammys, onde já têm a sua própria categoria.
Além disso, os espaços digitais locais e internacionais amplificam estas estéticas, que se articulam como linguagens autónomas capazes de repensar a cultura contemporânea de África e da sua diáspora.